terça-feira, 17 de maio de 2011

ALBERTO CAEIRO

Ficha Informativa de Português – 12º Ano

O meu olhar é nítido como um girassol.




“Passar a limpo a Matéria
Repor no seu lugar as cousas que os homens desarrumaram
Por não perceberem para que serviam
Endireitar, como uma boa dona de casa da Realidade,
As cortinas nas janelas da Sensação
E os capachos às portas da Percepção
Varrer os quartos da observação
E limpar o pó das ideias simples…
Eis a minha vida, verso a verso.”


   A obra de Caeiro representa a reconstrução integral do paganismo, na sua essência absoluta, tal como nem os gregos nem os romanos, que viveram nele e por isso o não pensaram, o puderam fazer. A obra, porém, e o seu paganismo, não foram nem pensados nem até sentidos: foram vividos com o que quer que seja que em nós é mais profundo que o sentimento ou a razão. Dizer mais fora explicar, o que, de nada serve; afirmar menos fora mentir. Toda obra fala por si, com a voz que lhe é própria, e naquela linguagem em que é pensada; quem não entende, não pode entender, e não há pois que explicar - lhe. É como fazer compreender a alguém, espaçando as palavras no dizer, um idioma que nunca aprendeu.
   Ignorante da vida e quase ignorante das letras, quase sem convívio nem cultura, fez Caeiro a sua obra por um progresso imperceptível e profundo, como aquele que dirige, através das consciências inconscientes dos homens, o desenvolvimento lógico das civilizações. Foi um progresso de sensações, ou, antes, de maneiras de as ter, e uma evolução íntima de pensamentos derivados de tais sensações progressivas. Por uma intuição sobre-humana, como aquelas que fundam religiões para sempre, porém a que não assenta o título de religiosa, por isso que, como o sol e a chuva, repugna toda a religião e toda a metafísica, este homem descobriu o mundo sem pensar nele, e criou o conceito do universo que não contém meras interpretações.
   Pensei, quando primeiro me foi entregada a empresa de prefaciar estes livros, em fazer um largo estudo, crítico e excursivo, sobre a obra de Caeiro e a sua natureza e destino fatal. Tentei com abundância escrevê-lo. Porém não pude fazer estudo algum que me satisfizesse. Não se pode comentar, porque não se pode pensar, o que é directo, como o céu e a terra; pode tão-somente ver-se e sentir-se.
Prefácio de Ricardo Reis à obra de Alberto Caeiro


Sobre Caeiro, Fernando Pessoa escreveu:

“Alberto Caeiro vê as coisas apenas com os olhos, não com a mente. Quando olha para uma flor, não permite que isso provoque quaisquer pensamentos. Longe de ver sermões nas pedras, nem sequer se permite conceber uma pedra como ponto de partida para um sermão. O único sermão que uma pedra encerra é, para ele, o facto de existir. A única coisa que uma pedra lhe diz é que nada tem para lhe dizer (…).
   A sua poesia é, de facto, «sensacionista». A sua base é a substituição do pensamento pela sensação, não só como base da inspiração – o que é compreensível – mas como meio de expressão (…)
   Mas é pagão porque a religião sensacionista é o paganismo. É claro que um sensacionista puro e integral como Caeiro não tem, logicamente, qualquer religião, visto a religião não se encontrar entre os dados imediatos da sensação pura e directa. (Por sensação entende Caeiro a sensação das coisas tais como são, sem acrescentar quaisquer elementos do pensamento pessoal, convenção, sentimento ou qualquer outro lugar da alma).”

E Jacinto do Prado Coelho, in Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, escreve:
“ Logo no começo do poema O Guardador de Rebanhos se declara pastor por metáfora (aqui desponta o poeta bucólico de espécie complicada que Pessoa, segundo a carta a Casais Monteiro, quis inventar para pregar uma partida a Sá Carneiro). De pastor tem o deambulismo, o andar constantemente e sem destino, absorvido pelo espectáculo da inexaurível variedade das coisas:« Minha alma é como um pastor,/ Conhece o vento e o sol/ E anda pela mão das Estações / A seguir e a olhar.». Anda a seguir, passivamente, como espírito concentrado numa actividade suprema: olhar. Os seus pensamentos não passam de sensações. Vive feliz como os rios e as plantas, gostosamente integrado nas leis do Universo. (…)
 Às palavras procura transmitir Caeiro a inocência, a nudez da sua visão. Daí, algumas vezes, a simplicidade quase infantil do estilo, a familiaridade de algumas expressões, as imagens e comparações comezinhas, realistas, caseiras ou de ar livre. Mas como podia Caeiro exprimir linguisticamente a infinita diversidade, as incontáveis metamorfoses do mundo? A linguagem situa-nos numa esfera de abstracções: dá-nos conceitos cómodos, insinua uma visão esquemática de acordo com os imperativos práticos da vida.”




Traços caracterizadores de Alberto Caeiro


Características temáticas
Características formais / estilísticas
  • Pastor por metáfora;
  • Lírico espontâneo e inculto;
  • Bucolismo;
  • Deambulismo;
  • Estados de semiconsciência;
  • Realismo ingénuo, indiferente ao social;
  • Panteísmo sensual;
  • Vive de impressões, sobretudo visuais;
  • Recusa o pensamento, privilegiando as sensações;
  • Extasiado pela eterna novidade do mundo;
  • Aceitação calma do mundo, como ele é;
  • Recusa da metafísica;
  • Primado do exterior/ da variedade maravilhosa do real;
  • Para ele, não há passado (recordar é atraiçoar a natureza), nem futuro ( o futuro é o campo de miragens);
  • Vive o presente, gozando cada impressão como se fosse única e original.(epicurismo)
  • Simplicidade quase infantil do estilo;
  • Familiaridade da linguagem;
  • Recurso a imagens e comparações;
  • Vocabulário reduzido, predominantemente abstracto;
  • Versilibrismo;
  • Uso do nome em detrimento do adjectivo.



Caeiro, o poeta da Natureza / filósofo

   O Mestre de Pessoa ortónimo e dos outros heterónimos apresenta-se como um guardador de rebanhos que aproveita ao limite a variedade da Natureza, deambulando pelas encostas, atento à «eterna novidade do Mundo». Apreende o real com os sentidos, privilegiando o olhar. O panteísmo sensual, a recusa do pensamento e da metafísica são temáticas frequentes nos seus poemas. Contudo, ao longo da sua obra, não encontramos a descrição de paisagens naturais, mas sim a construção de uma filosofia de vida que só poderia ser elaborada por alguém que transporta uma enorme carga cultural da qual, aparentemente, se quer desfazer (esquecer?). Parece, pois, que esta vida no campo, numa aurea mediocritas horaciana, é uma fuga à dor de pensar que tanto atormenta Pessoa.






(…)
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia,
Não há nada mais simples.
Tem só duas datas – a da minha nascença e a da minha morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.

Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.

Um dia deu-me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.
                                                                      Caeiro



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