quarta-feira, 18 de maio de 2011

2ª fase de Álvaro de Campos: a fase futurista(2)

Ode Triunfal
1. Orientações de Leitura do Poema
a) A estética não aristotélica (estética da força, em oposição à estética da beleza) realiza-se em textos eufóricos, triunfalistas, sensacionistas, cantando o espasmo da vertigem das sensações provindas das máquinas, das realizações da técnica industrial e dos ruídos das multidões.
b) A. Campos pretende “sentir tudo de todas as maneiras”, por isso transporta para este poema toda a gama de sensações, mesmo as que provêm de grupos marginais. Todavia, a sua atitude transbordante não esconde a manifestação de uma crise, que é, de certa maneira, a doença da civilização moderna. Daí os aspectos negativos ironicamente focalizados.
c) É necessário distinguir neste texto aspectos de sensacionismo e de futurismo.
d) É possível distinguir neste texto, apesar da sua extensão, uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão.
e) O tempo merece também uma atenção especial, já que são anuladas as fronteiras entre passado, presente e futuro. O presente é o instante, a concentração de todos os tempos.
f) Espírito do Poeta face ao mundo da grande técnica moderna – influência de Pessoa-ortónimo

Ideal de A. Campos neste poema = “sentir tudo de todas as maneiras”; sentir tudo numa “histeria de sensações”; sentir tudo e identificar-se com tudo, mesmo com as coisas mais aberrantes [“Ah!, poder exprimir-me todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina!/(...) / Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, (...)/ A todos os perfumes de óleos e calores e carvões(...), vv.26-31]
Todo o prazer do poeta está, pois, em revelar-se como um “monte confuso de forças”, um “eu” universo donde jorra a volúpia sensual de ser tudo, uma espécie de “prostituição febril às máquinas”. Este ideal é o oposto do ideal da estética aristotélica, que punha toda a ênfase na ideia da beleza, no conceito do agradável, no equilíbrio comandado pela inteligência.
Na poesia de Campos, em vez da bela harmonia clássica saída da clara inteligência, há a caótica força explosiva saída de um subconsciente em convulsão. A sua poesia revela-se, assim, como um novo processo de descompressão do subconsciente de Pessoa, sempre torturado pela inteligência, pela “dor de pensar”.

Análise semântica
Excesso de sensações

Sensação visual: “À dolorosa luz das grandes lâmpadas eléctricas” (v.1)

Sensação auditiva: “De vos ouvir demasiadamente de perto” (v.11)

Sensação táctil: “Tenho os lábios secos” (v.10)

Sensação olfactiva: “A todos os perfumes de óleos e calores de carvão” (v.31)

Global:
- “Como eu vos amo de todas as maneiras,/Com os olhos e com os ouvidos e com o olfacto/E com o tacto (o que apalpar-vos representa para mim!)/E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!/Ah!, como todos os meus sentidos têm cio de vós!” (vv.87-91)

Paixão

“Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera./Amo-vos carnivoramente.” (vv.105-106)
Violência
“À dolorosa luz das lâmpadas eléctricas da fábrica” (v.1)

Erotismo e Sadomasoquismo
- “Possuo-vos como a uma mulher bela” (v.116)

 “Eu podia morrer triturado por um motor/Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída./Atirem-me para dentro das fornalhas!/Metam-me debaixo dos comboios!/Espanquem-me a bordo de navios!/Masoquismo através de maquinismos!/Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!” (vv. 134-140)

 “Fazendo-me um excesso de carícias ao corpo numa só carícia à alma.” (v.25)

“Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, / Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento / A todos os perfumes de óleos e calores e carvões / Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!” (vv.29-32)

Identificação/Fusão com os maquinismos
“Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!” (vv.26-27)

Uso da ironia, para exprimir a face negativa da civilização industrial.
“escrocs exageradamente bem vestidos”: além da ironia, está aqui presente a antítese entre
a compostura exterior (vestuário) dos escrocs e as suas intenções:
“Chefes de família vagamente felizes”: o advérbio “vagamente” projecta sobre a felicidade
dos chefes de família a sombra do cansaço (fartos de viver);
“Banalidade interessante.../ Das burguesinhas.../ Que andam na rua com um fim
qualquer”: de assinalar são a palavra “burguesinhas” e a expressão “com um fim qualquer”, já que
mostram a existência de uma antítese entre o aspecto exterior das burguesinhas (diminutivo irónico) e as suas obscuras intenções;
“A maravilhosa beleza das corrupções políticas, / Deliciosos escândalos financeiros e
diplomáticos”: a adjectivação antitética assume aqui a forma de oxímoro.


_ outras antíteses presentes no poema são:
“tudo o que passa e nunca passa”: exprime a concentração do passado no presente, ou a
continuidade dos acontecimentos do dia-a-dia.;
“O ruído cruel e delicioso da civilização de hoje”: antítese que reflecte os sentimentos
contraditórios do poeta em relação à civilização industrial.
_ presença de metáforas e imagens expressivas, tais como:
“Arde-me a cabeça de vos querer cantar”; “Grandes trópicos humanos de ferro, fogo e força”
“Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável”
“Nos cafés, oásis de inutilidade ruidosas” “Quilhas de chapa de ferro sorrindo
Através destas imagens e metáforas, o sujeito poético mostra a forma como vibra com as coisas da civilização industrial (com a fúria do movimento das máquinas. Além disso, dá também uma imagem muito negativa dos cafés, com ruídos inúteis; apresentando, ainda, a imagem dos navios ancorados:
“quilhas de chapa de ferro sorrindo”.

Análise fónica e morfossintáctica
Frases exclamativas que sublinham a reacção emocional do sujeito poético

Interjeições que reforçam a importância conferida às emoções do sujeito poético. (espanto, alegria, animação, etc.)
Ó!; Olá!; Eia!; Eh-lá!;
Enumerações remetem para uma expressão pautada pela emoção e não pela razão.

Desvios sintácticos:
Acentuam a ideia de espontaneidade do discurso emotivo do sujeito poético.
“fera para a beleza de tudo isto”; “todos os nervos dissecados fora” (v.8)



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